Comentário 57
57
Porque escrevo?
Já tentei dar-me várias respostas,
Mas, todas invariavelmente, nunca
São a resposta toda.
A primeira que me acode,
Desde sempre e agora,
É conversar com os outros
Fechando-me e aos outros na gaveta.
Outras vezes é a ambição,
De que a palavras banais
Ditadas ao correr da pena,
Serão um farol.
No fim de escritas,
As pobres e coitadas
Acabam na gaveta como as demais.
Ocorre-me assim, de quando em vez,
Dentro da minha perturbada loucura,
Ter encontrado a verdade suprema
Que toda a gente procura.
E por fim escrevo com raiva,
Por saber de antemão,
Com a certeza absoluta,
Da nulidade do esforço de escrever,
Porque sempre ficarei com o papel na mão.
Este ano, num desaforo,
Que me é estranho,
Resolvi pôr a correr mundo,
Mágoas, frustrações, anseios,
Alegrias, feitos, glórias
Que, há muitos anos apodrecem, na gaveta.
E nestas incertezas do escreve,
Não escreve,
E o que me move para dar por dito
O que nunca deveria ter sido escrito.
Zé Onofre