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2021/06/28
Uma casa abandonada,
É mais do que uma casa
Perdida no capim,
Buracos em paredes,
Vidros perdidos na rua,
De que as heras tomaram conta,
Até ao telhado que se perde
E nem memória de caminho há.
Poderá ser uma casa num beco,
Abandonada de pedras
Menos de rosas que nela florescem,
Saudosas de mãos delicadas
Que outrora as mimaram.
Os pedaços de vida,
Que ainda ecoam nas suas paredes,
São também parte das ruínas.
Há outra inevitavelmente
A casa onde nasci.
Que a vida me obrigou a deixar.
Em frente a uma certa janela
Havia uma cama de madeira.
Se atentarmos com os olhos
De ver tempos idos,
Há muito sepultados
À flor da pele,
Enxergaremos dois irmãos.
O mais novo,
Enleado na cadência da poesia,
Que o mais velho recitava.
Espreitava
Nas estrelas a Velhinha errante
Cuja marcha da jumentinha
Espalhava farinha
Que branqueava mais a lua e as nuvens.
O mais velho
Esquecido do mais novo
Continuava perdido na poesia.
- "Ai há quantos anos
Que parti chorando
Deste meu carinhoso e saudoso lar..." –
A inocência pensava
Que o mais velho escrevera aquele poema triste.
Muito mais tarde descobriria o Guerra Junqueiro.
Outra, agora alicerce doutra que a substituiu,
Foi o meu primeiro "asilo político".
Aos dez anos, a “tirania maternal”
Indicou-me a porta da rua.
Um asilo de luxo,
Com jantar fora de horas,
Composto por comidas preferidas,
Pijama saído do meu armário
Tudo arranjado pela "tirana"
Que fez com que o meu amigo
Descobrisse que eu precisava de cama
E me arrastou consigo.
O exílio foi de curta duração.
Acabou resgatado pelo pai,
Que sob as ramadas do terreiro,
- Zé, vamos. –
E aquele Zé, que não este,
Voou escadas abaixo
Aninhou-se sob a asa protectora
Que o levaria para o mátrio ninho.
Um pouco mais à frente,
Os restos fumados
De uma casa de muitas aventuras.
Ultimamente um vagabundo,
Poisava por ali os farrapos,
Que cobriam os seus ossos,
E a saca das sobras que pescava no lixo.
Numa noite de frio
A fogueira que o deveria aquecer
Deixou-o, de novo,
Sob o teto de estrelas e luar,
Na cama das bermas do caminho.
Em tempos idos crianças alegres
Brincavam às casinhas,
Chamavam os bois,
Levavam as vacas a beber.
Bicavam com os dedos
Bagos de cachos que subiam pelo enforcado.
Cortavam milho,
Ripavam espigas da cana
Preparando-as para a esperada
E desejada desfolhada,
Passa culpas de tantas “maroteiras,”
Algumas, então, bem inconfessáveis.
Ao anoitecer, dos dias de cozer broa,
Quando relutante ia e não ia
Com um surdo
- Até amanhã –
A Zindinha entregava-me,
Num pano de linho uma broinha.
Nunca nenhuma outra broa foi tão boa.
É melhor cortar por aqui
Antes que outras venham
Agarradas quais cerejas.
Zé Onofre