Comentário 149
149
2021/07/16
Nos meus dezasseis anos
O tempo não tinha medida.
Era longo o Inverno
Com os seus dias
Das cortinas cinzentas líquidas
Que serenas,
Ou violentas,
Diluíam os horizontes.
Era longa a Primavera.
Nos campos ainda alagados,
As cores afogavam a água,
Com o verde forte da erva,
Com os dourados malmequeres.
Com o vermelho vivo ao pálido das papoilas,
Com o roxo das violetas selvagens.
Com os rebentos verde-envergonhado das árvores,
Com o azul-nascente do céu,
A chamar o Verão.
Sem tempo era o Verão
De dias imensos
Que engoliam as noites,
Deixavam um pouco para,
Para contarmos a infinidade de estrelas.
Das tardes quentes,
Em que desafiávamos as distâncias,
Ignorávamos a dureza do regresso,
Voávamos a mergulhar no Tâmega,
Fio de água convencido que era enorme,
Preso nos açudes.
Era longo o Outono
Das vindimas
Dia após dia
Que avermelhavam as mãos.
Os pés, nas lagaradas, pisavam com mais alegria
Animadas por graçolas e cantares.
Das desfolhadas nocturnas
Que se estendiam pela madrugada,
Em danças e cantares
Na eira do Ribeiro.
Era o tempo do início da escola,
Sempre depois do Cinco de Outubro,
E terminava
Com uma alegria metafísica que pairava no ar.
Era um tempo de transição.
O tempo das rabanadas,
Dos presépios,
Da Missa do Galo,
Das Janeiras,
Que terminava nos Reis.
Era o tempo
Em que o tempo tinha
Todo o tempo do mundo.
«Aqueles eram os dias, amigos,
Que pensávamos não ter fim,
Em que à mesa do canto do “café”,
Fazíamos projectos
Para mudar o mundo
Todos os dias.
Aqueles eram os dias …»
(tradução libérrima da canção de Mary HopKins, 1968)
Zé Onofre