Comentário 92
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Os que gostam do Natal,
Gostam-no por razões diferentes.
Uns pela prendas que recebem,
Outros pela crença religiosa,
Alguns pela reunião da família.
Para mim o Natal
Começava no dia 24 de Dezembro
E terminava às primeiras horas
Do 1º de Janeiro.
Era a semana mais linda do ano.
O pai chegava mais cedo,
Jantávamos mais depressa,
Rezávamos o Terço bem despertos.
A seguir vinha o melhor.
O pai tirava do bolso um papel dobrado,
Abria-o,
Lia, para os ouvidos curiosos da família,
As Janeiras do ano.
Cantava-as com música dele,
Ou por ele adaptada,
Começavam os ensaios
Com o olhar crítico da família
Posto em mim gritando-me,
Cala-te.
No dia 31, no fim do jantar,
Partia o grupo dos Janeireiros
A dar as Boas-Festas à casa do tio.
Chegados à porta,
Rompia o coro,
Sem a minha voz,
Para não estragar a Festa.
Abria-se a porta,
Os cumprimentos costumados.
A seguir era comer,
Contar natais passados,
Janeiras idas.
Os jovens dançavam.
As crianças sorridentes,
Abriam os olhos de espanto,
E diziam umas para as outras
-Já tantas da manhã e nós a pé.
Chegava a hora da partida.
Uns não queriam ir,
Outros não queriam partir.
E no vai e vem até à porta
Passava-se quase uma hora.
Partíamos a custo,
Mas o pai já devia ressonar,
Na sua cama junto da mãe que ficara.
Começava a caminhada,
Perna bamboleante
Pé à frente, pé atrás,
Longa de cinco quilómetros.
Num ano,
Já com a casa à vista,
Vimos surgir de uma curva,
Um vulto tropeçando nas pernas.
- É o sr. João da Calçada -
Nosso vizinho, falecido havia pouco.
As pernas ganharam um último alento.
Sobem as escadas duas a duas,
A porta é quase arrombada
E mais rapidamente trancada.
Apenas eu, o mais novo e mais lento,
Fiquei fora da porta
A chorar baba e ranho de todo o tamanho.
Afinal o morto continuava bem enterrado.
Era o sogro do dono do Tasco da aldeia
Que regressava a casa
Com uma “vesana” das antigas.